Sete vidas e um reencontro
Desde a adolescência sempre tivera gatos. O primeiro fora apanhado numa praça que ficava a meio caminho da mercearia. Passando por ali ela avistou um filhote que parecia estar perdido, aproximou-se, colocou-o no ombro e seguiu. O gatinho permaneceu ali até chegar à sua casa. Foi adotado pela família e conviveram por alguns anos. Depois deste seguiram-se mais sete ou oito.
Terminado o segundo curso superior veio para a capital, era um sonho sair de sua cidade. Após um tempo de adaptação, conseguiu um trabalho perto do apartamento em que morava, ingressou em uma pós-graduação, ambientara-se bem. Então chegou a Covid-19.
Começou a trabalhar em casa, depois de um tempo em isolamento obrigatório os dias foram se tornando assustadores, começou a sentir-se oprimida e com medo. Numa manhã, tomando seu café, teve um lampejo. Precisava novamente de um gato!
Ficou num dilema, o espaço ali era pequeno comparado com a liberdade que uma casa oferecia. Não haveria muros, nem telhados para o felino escalar. O instinto gregário falou mais alto. Pesquisou nas redes sociais de gateiros, adotou um filhote. O primeiro inteiramente negro.
O gatinho timidamente foi demarcando seu espaço. Comia e dormia, corria e brincava. Trouxera alegria e cor ao enclausuramento. Ela seguia trabalhando em casa, saia apenas para o necessário.
Inexplicavelmente o bichinho sabia quando o trabalho era coisa séria, nestas horas permanecia deitado a seus pés ou na sala, noutras ficava sobre a mesa de trabalho ou debruçava-se no teclado do computador. Começou a notar que ele parecia compreender quando lhe falava, também demonstrava gostar de suas músicas prediletas. Estranhou. Nunca havia experimentado tal sintonia com seus gatos.
Por acreditar que nada acontece ao acaso, procurou uma explicação. Teve um pressentimento. Acreditou ser um reencontro. Talvez em alguma das sete vidas passadas do gato – noutra encarnação -, tenham compartilhado uma existência. Foi mais longe. Imaginou terem ouvido inúmeras vezes os antigos tangos - favoritos até hoje - em Buenos Aires. De fato, a amizade do amiguinho, que parecia ser de longa data, fez com que a realidade deixasse de lhe parecer tão assustadora.
nov.23