Tranquilidade natural
Quem foi criado em cidades grandes tem um aumento da atividade do córtex cingulado anterior, uma região envolvida na regulação de emoções negativas e do estresse
Por Suzana Herculano-Houzel
Moro na cidade, mas preenchendo a vista da janela da sala há duas enormes árvores que me transportam para o campo. Sempre que algum vizinho considera arrancá-las, alegando risco de caírem durante tempestades, eu as defendo ferrenhamente. Aquelas árvores, tão fundamentais para meu bem-estar, são o que me resta de uma sugestão de campo – e da tranquilidade associada a ele.
Viver na cidade tem suas vantagens, como educação, saneamento e serviços de saúde. Mas isso tem seu preço, e não só no bolso. A vida urbana se desenrola em um ambiente social exigente e estressante, com uma taxa de 20% a 40% maior de distúrbios de humor e de ansiedade do que em moradores de áreas rurais. De fato, o estresse crônico é um dos grandes fatores de risco para esses distúrbios – e crescer no campo ou na cidade muda o cérebro.
De acordo com um estudo canadense publicado em 2011 na revista Nature, a amígdala (do cérebro, não da garganta) de quem vive em centros urbanos mostra uma atividade mais exacerbada durante o estresse, o que deve levar a uma reação mais forte a ele. Quem foi criado em cidade grande tem um aumento da atividade do córtex cingulado anterior, uma região envolvida na regulação da atividade da amígdala, de emoções negativas e do estresse.
E quanto maior o tempo passado em cidade grande até a adolescência, maior a hiper-reatividade do cingulado anterior. É como se crescer em cidade grande, não importa para onde se vá depois, fizesse o cérebro aprender a esperar o pior em situações de estresse. E só isso: sem estresse, o cérebro urbano não parece diferente do rural.
Em contraste, ambientes naturais, sem marcas óbvias do construções humanas, como prédios, estradas e ruído de tráfego, são mais propícios à tranquilidade, um estado mental de relaxamento cognitivo, sem esforço mental. E como fica o cérebro tranquilo?
Para responder a essa pergunta, uma equipe no Reino Unido pediu a voluntários que assistissem, de dentro de um aparelho de ressonância magnética, a vídeos de praias ou de rodovias e avaliassem quanta tranquilidade eles lhes inspiravam. A escolha de praias e rodovias tinha razão de ser: enquanto as imagens são diferentes, o som é semelhante, de amplo espectro, quase desestruturado.
A equipe descobriu que, em comparação com o estado mais inquieto, vendo rodovias, o cérebro tranquilo, vendo praias, mostra uma integração funcional maior da “rede padrão” do cérebro, um conjunto de estruturas corticais bem separadas umas das outras, envolvendo sobretudo a região medial do córtex pré-frontal, na frente, e o cingulado posterior, atrás, que estão mais ativas quando o cérebro faz... nada em particular. Mais especificamente, a atividade nessas regiões predomina quando a mente está voltada “para dentro”: para si mesma, e não dando atenção a estímulos externos.
Faz sentido, então, que o estado de tranquilidade corresponda a uma maior integração funcional entre as estruturas da rede padrão, consolidando o cérebro em um estado que prioriza a si mesmo. Assistir a obras feitas pela mão humana exige que o cérebro se concentre no mundo exterior. Mas, pelo jeito, ver obras da Mãe Natureza permite que o cérebro se volte para dentro e sossegue.
Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/tranquilidade_natural.html