A saúde mental e os limites do SUS
Por Kátia de Souza Nascimento Em 7 de abril de 2021, saiu no Brasil de Fato, uma notícia sobre os 20 anos da Lei Antimanicomial no Brasil. Segundo foi informado, o país foi pioneiro na criação da lei que regulamenta os direitos do usuário da saúde mental, muito embora as novas diretrizes políticas tenham atacado essa conquista social, algo que também foi abordado no jornal da Esquerda Marxista, em uma matéria de 21/1/2021: “A saúde mental que o governo Bolsonaro quer para o Brasil: um projeto de sucateamento”. Nesse sentido, consoante à revisão das portarias dos programas de saúde mental do Brasil, o presidente Jair Messias Bolsonaro anunciou publicamente o seu interesse em privatizar o SUS (Sistema Único de Saúde). Isso em meio à pandemia da Covid-19, que é um problema sanitário, mas acima de tudo, uma crise do capitalismo. A questão que se tem levantado constantemente é se o SUS é eficiente ou não para a sociedade. A resposta será bastante objetiva: Não! Tampouco poderia ser de outra forma, uma vez que vivemos em um sistema político que potencializa a desigualdade, pois o seu único foco é o lucro em detrimento de qualquer questão relevante para sociedade, inclusive, a vida humana. O que ocorre com o SUS, assim como os programas vinculados a ele, como é o caso da Rede Atenção Psicossocial (RAPS), é que há pouco financiamento por parte do Estado. O SUS é financiado através de fundos, que, em vez de disponibilizarem toda a receita necessária para custear as despesas com ações e serviços públicos de saúde, limitam esses recursos. A situação se agrava ainda mais com a EC 95, que congelou o piso da saúde por vinte anos. A criação do SUS foi aprovada na 8º Conferência Nacional de Saúde em 1986, seguida de forte pressão popular. Pela primeira vez se realizou uma conferência aberta ao povo, com mais de mil delegados com direito a voto, além de mais de 4 mil observadores, onde se discutiu um sistema único de saúde que nasceria 100% estatal. Houve divergências por parte de representantes da burguesia, que nem compareceram à conferência, mas tiveram suas vontades atendidas com a criação da Comissão Nacional da Reforma Sanitária (CNRS) com o intuito de “melhor estruturar” as resoluções da 8º para a nova Constituição. Ressalta-se que a burguesia, ao mesmo em tempo que não tinha outra saída e fazia a concessão de permitir aos trabalhadores a criação de um sistema de saúde universal e gratuito, não poderia deixar de obter seus lucros. Houve, então, alteração para que o setor privado pudesse participar de forma “complementar”, legalizando a entrega de recursos públicos para a iniciativa privada, o que foi aprimorado ao longo dos anos por todos os governos, permitindo a transferência integral da prestação de diversos serviços públicos de saúde para o empresariado. Dessa forma, o SUS foi sendo asfixiado financeiramente, o que fez com que a população tivesse acesso a um sistema sucateado. Segundo informa o médico e professor titular da UFBa, Jairnilson Silva Paim (2009), muito se tem discutido sobre o problema do programa de saúde brasileiro se resumir ao que tange a corrupção ou o modelo de gestão pública; mas a verdade é que o governo nunca investiu na saúde da classe trabalhadora quanto ao atendimento público. Assim, a sua aliança tem se dado com as grandes empresas e bancos; e, dessa forma, os gastos com a saúde pública têm sido menos de dois reais por indivíduo. Entretanto, apesar de todas as falhas, o SUS deve ser defendido pela finalidade de seu projeto, que é o direito de saúde para todos, em todo território nacional, independentemente das condições financeiras da pessoa. Vale também ressaltar que o SUS não se trata de um programa proveniente do Estado, uma vez que foi fruto de uma conquista social, pelo qual permanece a luta até hoje. Antes do SUS, o atendimento médico profissional era voltado apenas para as classes mais privilegiadas da sociedade. Nesse sentido, somente com a Proclamação da República é que a saúde passou a ser considerada uma responsabilidade do Estado e, vinculada à Constituição de 1988, ela foi decretada como sendo um direito de todos. A RAPS, instituída pela Portaria MS/GM nº 3.088, de 23/12/2011, é composta por serviços como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura, as Unidade de Acolhimento (UAs), e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, e nos CAPS III). Tal rede (RAPS) deveria contar com o apoio das Unidades Básicas de Saúde, dos NASF, dos Consultórios de Rua e todos os outros serviços da Atenção Básica, que também se encontram desmontados, prejudicando o acesso da população à saúde desde a ponta até a chegada ao serviço especializado, bem como o retorno a Atenção Primária e reinserção na sociedade. Importante destacar também que a Política Nacional de Saúde Mental está bastante longe de ser perfeita, e tende a piorar dentro do contexto do capitalismo, que só objetiva o lucro. De acordo com a visão de Ana Paula Guljor, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), os manicômios, tais quais, foram, funcionavam como “indústrias da loucura”. Por isso, seria importante uma política de combate às medidas de retrocesso propostas pelo atual governo contra os programas já conquistados. Por outro lado, Guljor não releva alguns aspectos importantes quanto às políticas da saúde mental para a sociedade, os quais serão discutidos aqui. De acordo com Guljor: “a doença mental relacionada à periculosidade e incapacidade será desconstruída, no âmbito teórico-conceitual, com a formação nas academias e também no cotidiano da sociedade” (Brasil de Fato, abril 2021). Em relação a isso, é importante que não ignoremos a necessidade de se ter cuidado ao defender o fim das internações de pessoas com distúrbios mentais; pois em diversos casos, como ocorre com portadores de esquizofrenia, bipolaridade na fase de mania e outros tantos casos de surtos, muitas vezes, esses pacientes podem se demonstrar agressivos contra si ou a sociedade. Assim, nem sempre os familiares conseguem lidar sozinhos com situações delicadas que envolvem certos tipos de doenças mentais. Todavia, não significa que essa parcela social deva perder as suas liberdades ou serem maltratados em locais, como os manicômios, em que, conforme foi visto, houve diversos casos de torturas e prisões por períodos muito longos, quando não eternos, e sem uma necessidade real para isso. Conforme é defendido no CAPs, o ideal é que não haja internação compulsória no tratamento, e que haja a participação da família no processo de reinserção social do paciente. No entanto, devemos lembrar que 40 milhões de pessoas vivem em situação de extrema pobreza no Brasil, e que em meio à miséria e a exploração não é possível conciliar o tratamento com um ambiente familiar estruturado e seguro. Portanto, é responsabilidade do Estado os cuidados com a saúde desses indivíduos, bem como zelar pela sua integridade e da comunidade a sua volta, através de medidas humanizadas, diferentes do tratamento que foi dado nos manicômios, ao longo da história. Isso é necessário ser exposto, uma vez que, assim como se corre o risco de pacientes psiquiátricos passarem a ter um tratamento desumano com a reinstalação dos manicômios; por outro lado, pode ser bastante vantajoso também para um governo que não se importa com essa parcela social retirar a sua responsabilidade da questão, ficando os pacientes à mercê dos riscos que a doença pode acometê-los, bem como os seus familiares, que nem sempre tem condições de lidar com a situação. Considerando isso, é importante ainda informar que devemos sempre nos basear no materialismo histórico para alcançarmos a transformação social, através da derrubada do sistema capitalista, o que significa que não podemos apenas nos contentar com uma sociedade ideal, mas repensá-la com base em dados concretos da realidade. Assim, não podemos nos conformar com as reformas no esquema do Estado burguês, uma vez que elas certamente irão se desintegrar em algum momento. Isso é certo, afinal, o sistema capitalista é falho. Dessa forma, defender o SUS e os programas de saúde mental vinculados a ele não significa que estamos proibidos de apontar os problemas reais que ocorrem dentro do contexto capitalista. Até mesmo porque dizer que os programas de saúde são perfeitos seria, no mínimo, uma grande hipocrisia, muito embora seja preciso que defendamos um SUS público, gratuito e para todos. Por último, constata-se que as pessoas que têm distúrbios mentais ou que são dependentes químicos aspiram, assim como qualquer indivíduo da sociedade, a uma vida digna, com direito à cidadania, à igualdade de direitos e com acesso à educação, emprego, saúde e moradia. Sendo assim, é preciso compreender que a luta pelos direitos sociais, e isso inclui o direito à saúde mental, deve estar vinculada à derrubada do Estado burguês e as suas intenções de lucro e opressão social. Portanto, somente com o fim do capitalismo poderemos construir um mundo mais justo e para todos, e isso deve se iniciar com a derrubada do governo Bolsonaro. Fontes: BOSNICH, Gislene. “Depoimento de usuário sobre a Cracolândia” (2016); In: YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=XBWO7GF2bfI> Acesso em 16/5/2021. CAMARGO, Maritania. “FUNDEB: o fundo do poço dos reformistas” (21/7/2020). In: Esquerda Marxista. 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