A relação risco-benefício nos antidepressivos
Nova revisão da literatura científica: Antidepressivos oferecem benefícios mínimos e vários riscos
Uma revisão da pesquisa sobre a eficácia dos antidepressivos descobriu uma relação risco-benefício desfavorável.
Por Micah Ingle - doutorando em Psicologia na Universidade do Oeste da Geórgia, pesquisando o tema "Consciência e Sociedade". Publicou abordagens terapêuticas centrando a pessoa ao contexto e às características das pessoas com alta empatia, em oposição ao modelo médico individualizante. Seus interesses atuais incluem a interseção de estruturas sociopolíticas/econômicas e saúde mental, individualismo em psicologia, gênero, psicologia da libertação e perspectivas mitopoéticas inspiradas pelo pensamento junguiano.
Um artigo recente publicado no Drug and Therapeutics Bulletin examina o estado da pesquisa atual sobre a eficácia dos medicamentos antidepressivos.
Os autores, Mark Horowitz e Michael Wilcock, afirmam que a evidência da eficácia clínica dos antidepressivos é ligeiramente superior ao placebo e vem com o potencial de efeitos adversos leves a severos e sintomas de abstinência. Eles concluem com várias sugestões para ajudar na descontinuação bem-sucedida, bem como com a recomendação de que os prescritores estejam cientes dessas informações e que considerem a possibilidade de dar menos prescrições de antidepressivos por “períodos de tempo mais curtos”.
“O Royal College of Psychiatrists apresentou orientações recentes sobre como parar os antidepressivos de uma forma tolerável. Acreditamos que o aumento da consciência sobre a dificuldade que alguns pacientes têm em parar os antidepressivos deveria levar a uma prática mais cautelosa de prescrição, com antidepressivos dados a menos pacientes e por períodos mais curtos. Este artigo discute os benefícios e danos percebidos do uso de antidepressivos”, explicam os autores.
No Reino Unido, a cada 1 em 6 adultos foi prescrito um antidepressivo entre 2019 e 2020. Esta prescrição comum de antidepressivos – particularmente ISRSs e IRSNs -persiste, apesar dos pesquisadores reconhecerem que o establishment psiquiátrico tem minimizado os seus pontos negativos. Além disso, tanto as diretrizes de tratamento dos EUA como do Reino Unido têm subestimado tanto a “severidade” quanto a “duração” da retirada dos antidepressivos.
Destacados pesquisadores têm reconhecido que o apoio à retirada de antidepressivos é uma necessidade importante a ser abordada dentro da psiquiatria. Pesquisas recentes descobriram que mais da metade das pessoas que abandonaram os antidepressivos apresentam sintomas de abstinência, e o período de abstinência pode durar semanas ou meses, mesmo que se empregue o uso do afunilamento das doses.
Com base em uma revisão das pesquisas disponíveis, o artigo atual explora a eficácia clínica dos antidepressivos de nova geração, tais como ISRSs e IRSNs. Os psiquiatras britânicos Mark Horowitz e Michael Wilcock também discutem a abstinência e outros efeitos adversos ligados à tomada de antidepressivos. Eles discutem métodos baseados em evidências para ajudar os indivíduos que optam por interromper o uso desses medicamentos.
Grande parte da pesquisa sobre a eficácia clínica desses antidepressivos é baseada em ensaios controlados por placebo com duração de 6-12 semanas. De acordo com os autores, várias metanálises destes estudos de resultados encontraram uma diferença de 2 pontos com estes medicamentos em comparação com placebo, em uma escala que varia de 0 a 52 – a Hamilton Depression Rating Scale (HAM-D).
O National Institute for Health and Care Excellence (NICE) do Reino Unido estabeleceu 3 pontos como a diferença clinicamente significativa para esta escala, embora algumas pesquisas considerem 3 pontos muito pequenos, sugerindo seis em seu lugar.
Estudos mais extensos mostram ainda menos importância clínica, e estudos comparando usuários de antidepressivos com não-usuários que também sofrem de depressão não mostram diferença no resultado, embora os autores afirmem que mais pesquisa seja necessária.
Quanto ao tratamento de adolescentes, as evidências também são menos convincentes:
“Uma recente revisão da Cochrane constatou que nenhum antidepressivo teve um efeito clinicamente significativo em comparação com placebo, levando os autores a questionar ‘se eles devem ser usados de alguma forma’, especialmente considerando que alguns antidepressivos aumentam o risco de suicídio em comparação com placebo nesta população”.
Perturbadoramente, alguns dos estudos que relatam resultados significativos para adolescentes exageraram os benefícios desses medicamentos – desde relatar resultados não listados nos protocolos originais do estudo até subnotificar riscos por “codificar tentativas de suicídio no grupo de antidepressivos como ‘labilidade emocional” [“instabilidade emocional”].
Apesar destas descobertas, os autores relatam que entre 2005 e 2017, o uso de antidepressivos entre adolescentes mais do que dobrou.
Em termos de efeitos adversos a longo prazo, um estudo com pacientes recrutados por médicos da atenção primária constatou que 64% dos pacientes em um ISRS experimentaram pelo menos um, enquanto 31% relataram três ou mais. Cerca de 20% dos pacientes relataram ter sofrido um dos seguintes efeitos:
- Sonolência durante o dia
- Boca seca
- Transpiração intensa
- Ganho de peso
Enquanto isso, 25% dos pacientes relataram disfunção sexual e cerca de 1 em cada 10 relataram “agitação, espasmos musculares ou tremores, náusea, constipação, diarreia ou tonturas”.
Em um estudo de indivíduos auto-selecionados para uso de antidepressivos a longo prazo, os efeitos adversos foram ainda piores, com:
“71% relatando dormência emocional, 70% relatando sensação de ‘nebulosidade ou distanciamento’, 66% relatando dificuldades sexuais, e 63% relatando sonolência”.
Pesquisas sobre a abstinência de antidepressivos observaram alguns problemas gritantes em termos de efeitos a longo prazo. Por exemplo, uma revisão sistemática de 24 estudos (com 8737 participantes totais) descobriu que cerca da metade dos pacientes que deixaram de tomar ISRSs apresentaram sintomas de abstinência, independentemente de terem ou não afunilado.
Esses sintomas de abstinência podem incluir insônia, depressão, ideação suicida e sintomas físicos. Alguns pacientes relataram apresentar sintomas de abstinência meses, mesmo anos após sua descontinuação. Em pesquisas que perguntaram sobre a gravidade desses sintomas, 46% dos pacientes disseram que eles eram “graves”.
Os autores também afirmam que em pesquisas sobre a chamada “recaída” da descontinuação do antidepressivo, isto pode muitas vezes ser confundido com sintomas de abstinência, como relatado recentemente em outros estudos.
“Os efeitos de abstinência, que incluem ansiedade, insônia, depressão e mudanças no apetite, todos são registrados em escalas de depressão e, portanto, esses efeitos de abstinência no grupo descontinuado provavelmente inflacionarão a taxa aparente de recaída neste grupo”.
Ao descontinuar os antidepressivos, os autores listam várias sugestões com base na literatura da pesquisa.
Embora não seja uma forma garantida de evitar os sintomas de abstinência, o afilamento tem sido geralmente considerado como levando a uma experiência “mais tolerável” do que a descontinuação abrupta.
Os autores defendem um amplo diálogo entre profissionais de saúde e pacientes a respeito do consentimento livre e esclarecido em torno de potenciais efeitos colaterais e efeitos de abstinência. Por exemplo, embora o risco seja baixo, alguns pacientes relatam sintomas permanentes a longo prazo e de eventos como “disfunção sexual pós-ISRS”. Estas e outras preocupações devem ser discutidas com os pacientes tanto antes de serem prescritos antidepressivos, quanto ao considerar a descontinuação, os autores acreditam.
Em termos do que também pode ajudar, algumas pesquisas sugerem que tratamentos baseados na atenção plena [mindfulness] e terapia cognitiva podem, em grande parte, mitigar os efeitos da abstinência. Os autores também mencionam o aumento do apoio psicossocial, aceitação, apoio de grupo de pares e apoio individual, quando necessário, para oferecer aos indivíduos que optam pela descontinuação.
Além disso, um afilamento prolongado, que geralmente não é feita, parece ser útil. O afilamento durante meses, em vez de semanas, para doses muito pequenas, como .5% das doses clínicas, “permitiu que a maioria (71%) de um grupo de pacientes deixasse de usar seu antidepressivo”. Dois terços deste grupo tinham tido anteriormente dificuldades com a descontinuação.
Começando com uma “redução de teste” também é mencionado, onde a dose clínica é reduzida em 5%, e os pacientes são então monitorados para sintomas de abstinência antes de mais afunilamento.
Estas estratégias exigiriam, naturalmente, a fabricação de doses menores de muitos medicamentos do que as atualmente disponíveis, apresentando dificuldades práticas.
Os autores concluem:
“Continua a haver uma incerteza considerável sobre os benefícios do uso de antidepressivos a curto e longo prazo, particularmente no que diz respeito à falta de uma diferença clinicamente significativa entre o tratamento antidepressivo e placebo. Há um reconhecimento crescente da possibilidade de sintomas graves e duradouros de abstinência dos antidepressivos.
Este reconhecimento lança dúvidas sobre as propriedades de prevenção de recidivas dos antidepressivos, pois estas propriedades foram demonstradas em ensaios de descontinuação nos quais os efeitos da abstinência podem ter taxas de recidivas inflacionadas. Os antidepressivos podem ter efeitos adversos significativos, que parecem ser maiores no uso a longo prazo em comparação com os ensaios de eficácia a curto prazo. Diante deste equilíbrio incerto de benefícios e danos, devemos revisitar a prescrição generalizada – e crescente – de antidepressivos”.
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Horowitz, M., & Wilcock, M. (December 20, 2021). Newer generation antidepressants and withdrawal effects: Reconsidering the role of antidepressants and helping patients to stop. Drug and Therapeutics Bulletin.
Fonte: https://madinbrasil.org/2021/12/nova-revisao-da-literatura-cientifica-antidepressivos-oferecem-beneficios-minimos-e-varios-riscos/