Adolescência e imagem corporal

Por Luiz Antonio Del Ciampo e Ieda Regina Lopes Del Ciampo

A adolescência é caracterizada por grandes transformações biológicas, emocionais e sociais verificadas na segunda década da vida, quando o indivíduo passa a adotar comportamentos e práticas diferenciados, caracterizados principalmente pela autonomia e maior exposição às situações do cotidiano. Representa a fase de maior velocidade de crescimento na vida extrauterina, implicando alterações no tamanho, na aparência e na satisfação corporal.

Embora a identidade de um indivíduo seja estruturada ao longo da vida, é durante a adolescência que diversas características, como sexualidade, crenças, desejos e objetivos de vida, se exteriorizam mais intensamente. A maneira como o adolescente percebe seu corpo é condição fundamental na formação de sua identidade. Portanto, para se compreender o adolescente é necessário recordar dois conceitos básicos implicados no seu desenvolvimento: imagem corporal e autoestima. Imagem corporal é um fenômeno polimorfo, modificável, que reflete desejos, atitudes emocionais e interação do indivíduo com outras pessoas. É a figuração do próprio corpo formada e estruturada na mente do indivíduo, ou seja, a maneira pela qual o corpo se apresenta. Autoestima é um indicador de bem-estar mental, podendo ser entendida como o conjunto de atitudes e ideias que cada pessoa tem sobre si. É dinâmica, apresenta oscilações e revela-se nos acontecimentos sociais, emocionais e psíquico-fisiológicos.

A satisfação corporal traduz-se como o componente afetivo da imagem corporal que permite o adequado desempenho emocional e social do indivíduo perante a sociedade. Satisfação corporal e autopercepção são fatores primordiais na autoaceitação das pessoas e podem gerar atitudes que interferem no seu convívio social. Por outro lado, insatisfação com o corpo acarreta sentimentos e pensamentos negativos quanto à aparência, influenciando o bem-estar emocional e a qualidade de vida.

O mundo social contemporâneo nitidamente discrimina os indivíduos não atraentes. O adolescente, sujeito às influências de família, amigos, grupos de pares e da mídia, tende a imitar comportamentos, que certamente influenciarão no desenvolvimento de sua imagem corporal.

A partir da década de 1960, iniciou-se uma busca intensa pelo corpo ideal, tornando-se objeto de consumo, desejado como magro e atlético, de formas bem definidas, passando a ser referência, ao passo que os indivíduos com mais peso começaram a apresentar depreciação da imagem física, pois o peso é, reconhecidamente, fator agravante na interação social e agente de discriminação social e afetiva.

Uma característica marcante da adolescência atual é a insatisfação com o próprio corpo. Não bastasse a influência de pais e amigos, a sociedade transformou o corpo em objeto de manipulação e de desejos, valorizando a magreza entre as mulheres e a força entre os homens. Tal insatisfação leva o adolescente a adotar posturas diversas, principalmente as dietas restritivas para emagrecimento (tornando-o suscetível a graves distúrbios nutricionais, como anorexia nervosa e bulimia nervosa) e práticas exageradas de atividade física e consumo de anabolizantes, que podem predispor aos transtornos dismórficos corporais.

Como nas sociedades ocidentais o padrão é "ser magra", muitas adolescentes com peso normal, percebendo-se com sobrepeso ou obesas, tendem a perder peso para serem aceitas socialmente. Estudos realizados no Brasil e em diversas partes do mundo mostram crescente descontentamento dos adolescentes, manifestando insatisfação com sua aparência e com o peso corporal. Na Europa e na América do Norte, a insatisfação com o peso corporal é altamente prevalente e mais comum no gênero feminino, entre aqueles com sobrepeso e entre os adolescentes mais velhos. Autores têm revelado recorrência de distorções e percepções negativas sobre o corpo, mesmo em adolescentes normais. Como as normas sociais valorizam a associação entre magreza e atributos positivos, as mulheres estão sendo estimuladas a mudar o tamanho e a forma corporal, com a finalidade de melhorar a aparência física e diminuir o descontentamento com o corpo.

Em decorrência dessa percepção corporal negativa observam-se alterações comportamentais entre os adolescentes, como restrição ao uso de alguns tipos de roupas e frequência a locais onde possam exibir o corpo, indução à prática exagerada de exercícios físicos, modificações no consumo de alimentos e dietas restritivas, indução de vômitos e consumo de álcool e cigarros.

Adolescentes obesos são especialmente vulneráveis à discriminação social, visto que a inadequação do estado nutricional e a adiposidade corporal representam fortes indicadores de insatisfação corporal na adolescência, tendendo a apresentar baixa autoestima, alta insatisfação corporal e distúrbios comportamentais. As meninas são mais preocupadas com a gordura e mais propensas a se julgarem gordas que os meninos. Estes, por sua vez, têm menos interesse em perder peso e mais em adquirir massa muscular e exibir sua masculinidade.

Especialistas em distúrbios alimentares defendem que sejam envidados esforços no sentido de se alterar esse padrão de beleza de extrema magreza, bem como as atitudes sociais frente ao aumento de peso. Ao mesmo tempo, propõem a realização de estudos de intervenção e campanhas educativas com o objetivo de melhorar a imagem corporal das garotas.

A mídia pode ser considerada como um dos mais importantes fatores envolvidos na construção da identidade dos adolescentes, pois produz modelos de vida, de consumo e de comportamento, divulga conhecimentos e debate temas que certamente influenciam a vida de todos. A busca da imagem corporal é um dos fenômenos mais impressionantes na sociedade atual, que acarreta custos elevados e riscos à saúde, visto que os modelos de referência, quase inatingíveis, distantes da realidade da maioria das pessoas, geram estresse, ansiedade e insatisfação com o corpo.

A indústria corporal, utilizando-se dos meios de comunicação, cria desejos e reforça imagens, invadindo e modificando a maneira de compreender a vida. Atualmente, o corpo é associado à ideia de consumo. Quanto mais o corpo manter a aparência da juventude, da beleza e da boa forma, mais alto é seu valor de troca, tornando as pessoas escravas de um ideal narcísico rígido e severo.

Historicamente, os ícones femininos vêm se tornando mais magros. Se até o século XIX a magreza era considerada como sinal de saúde ruim, associada à fragilidade e pobreza, em meados do século XX a imagem perfeita do corpo feminino passou a ser de mulheres com formas mais delineadas. Hoje se preconiza o modelo de mulher com cintura fina, seios grandes e quadris largos. Também entre os rapazes a influência pode ser observada, haja vista as mudanças por que passaram os heróis de filmes, revistas e brinquedos, que se tornaram mais altos e musculosos.

Um grande mercado de academias de ginástica e clubes desportivos, de medicamentos e produtos de beleza, de dietas e inovações terapêuticas, além daquele constituído a partir das intervenções cirúrgicas, tem-se expandido continuamente. A cosmética ganha cada vez mais espaço na vida atual. Dieta e prazer, que eram incompatíveis no passado, fazem parte agora da mesma estratégia. As calorias devem ser contadas e reguladas, os produtos supostamente naturais são cultuados, as quantidades de vitaminas e proteínas minuciosamente analisadas e ingeridas na medida ideal.

COMO RECONHECER O PROBLEMA

As manifestações de insatisfação com a imagem corporal nem sempre são evidentes ou fáceis de reconhecer. Ao contrário, muitas vezes existem apenas mensagens subliminares emitidas pelo adolescente, o que torna mais difícil a identificação desse problema. No sentido de tentar estabelecer o mais precocemente possível esse diagnóstico, é importante que os profissionais que atendem aos adolescentes estejam preparados para:

a) ouvir atentamente o adolescente sobre sua saúde e todas as questões a ela relacionadas (dúvidas, receios, dificuldades, desconhecimento sobre os temas que o afligem), considerando-se, sob os aspectos éticos, que o adolescente tem assegurados direitos à individualidade no atendimento e à confidencialidade;

b) perguntar diretamente sobre a imagem corporal, se o assunto ainda não tiver sido mencionado;

c) discutir o tema abertamente, esclarecendo, encorajando e orientando o adolescente;

d) ouvir atentamente os familiares.

PREVENÇÃO

Desenvolver ações de prevenção e promoção de saúde é tanto ou mais importante quanto identificar e lidar com os casos já estabelecidos de insatisfação corporal. Assim, merece ser destacada a importância dos programas ambulatoriais de hebiatria, tão necessários e ainda pouco difundidos e estabelecidos em nosso meio, que devem estar preparados e oferecer adequado acolhimento aos adolescentes, contar com profissionais capacitados e desenvolver atividades bem definidas de atendimento, priorizando a promoção da saúde e a prevenção de agravos.

Para a execução adequada desses programas alguns objetivos devem ser priorizados, tais como:

a)  identificar os grupos de maior risco (adolescentes com desenvolvimento precoce, portadores de deformidades, com sobrepeso ou obesidade, ou aqueles que são maiores que os seus pares, por exemplo);

b) estimular a participação familiar;

c) esclarecer que cada adolescente é diferente do outro e todos são normais, pois o conceito de normalidade implica grande diversidade;

d) ensinar sobre a constituição e o funcionamento do corpo e suas mudanças durante a adolescência;

e) facilitar acesso a conhecimentos básicos sobre saúde e necessidades nutricionais;

f) orientar sobre os riscos de carências nutricionais e de comportamentos potencialmente causadores de danos à saúde, tais como restrições dietéticas e compulsão alimentar;

g) cultuar o corpo saudável de modo natural e fisiológico (uma atitude que poderia melhorar a imagem corporal é a mudança social em relação ao sobrepeso e à obesidade, que hoje são vistos como fraqueza de caráter e não como doença);

h) desenvolver habilidades em lidar com situações adversas, com a ajuda dos pais e do grupo de pares;

i) discutir sobre o poder de influência da mídia, entre os pares e na família, aprendendo a reconhecer as mensagens subliminares que estimulam o corpo ideal;

j) encorajar mudanças com mensagens positivas para aumentar a satisfação corporal e o desejo de cuidar do próprio corpo;

k) promover ações no sentido de mudar o ideal de beleza atual de extrema magreza.

O PAPEL DA FAMÍLIA

Embora sejam naturais o afastamento da família e a procura por grupos de pares durante essa fase da vida, é fundamental a participação dos pais no processo de desenvolvimento da adolescência. A família, como instituição social, representa o modelo pelo qual valores, comportamentos e atitudes são transmitidos ao longo do tempo, consolidando a incorporação de elementos que irão moldar a personalidade e o caráter, pois a convivência aliada ao diálogo, críticas, elogios e censuras representam os fatores que influenciam constantemente a autoestima do adolescente.

Essa participação, entretanto, muitas vezes requer a assistência de profissionais que auxiliem os pais, orientando-os a lidar com as diferentes situações que diariamente fazem parte da vida dos adolescentes. Especificamente quanto à imagem corporal, os pais tendem a ser menos positivos e mais críticos a respeito de seus filhos, implicando com a aparência, alimentação e atividade física.

OUTRAS AÇÕES QUE AUXILIAM NA PREVENÇÃO DOS DISTÚRBIOS DA IMAGEM CORPORAL

Em virtude de que muitas imagens idealizadas pela mídia podem contribuir negativamente para aumentar a insatisfação corporal e a ansiedade, principalmente entre as mulheres, alguns autores têm estudado os benefícios que a atividade física traz para os indivíduos, como sinônimo de indicadores de saúde, visto que para se desenvolver uma imagem corporal satisfatória é necessário passar por experiências agradáveis e gratificantes nas relações com o corpo. Portanto, uma forma de fortalecer a relação positiva com o próprio corpo é a prática regular de exercícios físicos, que beneficia a autoconfiança, autovalorização e, consequentemente, a autoimagem, pois um dos objetivos dessa prática é fazer com que o adolescente reflita sobre o modelo de imagem corporal difundido pela mídia a partir da própria imagem corporal e de seus significados.

Nessa atividade estão envolvidos fatores como os diferentes participantes, o ambiente, o tipo de atividade e o momento em que ela é realizada, que contribuem com o indivíduo, ajudando- o a sobrepujar suas dificuldades e auxiliando o a melhor avaliar sua imagem corporal.

Outro aspecto importante que pode contribuir com a prevenção da insatisfação com o corpo é a integração do adolescente em atividades de lazer, estabelecendo e estreitando laços sociais, desenvolvendo habilidades e reduzindo o estresse. Atividades de lazer bem planejadas e executadas, com metas e objetivos bem definidos, estruturadas e que apresentem desafios, desde que observados os interesses do adolescente, estão relacionadas com melhor performance acadêmica, bem-estar emocional e autoestima.

Maior envolvimento na vida acadêmica e sucesso escolar também contribuem para melhorar a autoestima entre os adolescentes. A participação, principalmente em grupos, das atividades curriculares diárias e dos projetos educativos e pedagógicos que as escolas podem oferecer proporciona mais oportunidades de conhecimento, análise e compreensão dos fatos do cotidiano, desenvolvendo maior capacidade crítica frente aos elementos que a sociedade valoriza. Projetos de vida que incluam escola, trabalho, família, amigos e situações que possibilitem a promoção social nos diferentes ambientes do cotidiano também se caracterizam por auxiliarem no estabelecimento da autoconfiança e na autoestima do adolescente.

 

Fonte: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=246

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