Avaliando as psicoterapias
Abordagem psicoterápica, tempo de formação e experiência clínica do terapeuta não são preditivos de melhores resultados; o ponto-chave para a cura parece ser a relação estabelecida entre o profissional e o paciente
Por: Christian Ingo Lenz Dunker
Nossa cultura vem se tornando cada vez mais avaliativa. Métricas de resultados, parâmetros de eficiência e cálculos de risco são parte deste novo mundo que trabalha, deseja e ama segundo a gramática do “projeto-resultado-avaliação”. Esperamos que a avaliação seja comparativa, tangível e mensurável. E que capte a transformação no tempo, na relação com outros processos e principalmente na relação consigo mesmo. Inversamente, o que não apresenta credenciais ou certificações avaliativas torna-se suspeito. Neste contexto, como saber se uma psicoterapia é eficaz? Como ter a confirmação de que seria mais indicada para alguém, nesta ou aquela condição? Como escapar desse critério aparentemente tão nebuloso que é o julgamento mais íntimo, qualitativo e subjetivo de cada um?
A capacidade de formular juízos qualitativos com precisão e confiança talvez seja um dos objetivos mais interessantes das psicoterapias. Afinal, o que há de mais complexo e qualitativo é a própria vida que cada paciente é convidado a apreciar, dimensionar e questionar quando ingressa em uma psicoterapia ou uma psicanálise. O problema é que muitas patologias atacam justamente nossa faculdade de julgar: o paranoico atribui tudo ao outro, o melancólico tudo a si. O histérico não se cansa de perguntar qual seu lugar junto ao desejo do Outro, enquanto o obsessivo quer saber como ele mesmo reduzirá o desejo do Outro em uma ordem.
Muitas terapias trabalham com uma espécie de autoavaliação constante, incluindo ao final de cada sessão uma ponderação sobre o ocorrido. Este princípio elementar de qualquer acompanhamento pode ser, senão inócuo, iatrogênico, ou seja, trazer efeitos danosos causados pela imperícia na execução ou por riscos potenciais que todo tratamento carrega em si. E inócuo porque a representação que fazemos de nossa vida é frequentemente enganosa. Ela é uma fotografia tirada de certo ângulo, sob uma dada perspectiva, que facilmente se altera se mudamos a posição da câmera. Iatrogênico porque o mais simples feedback sobre o andamento dos trabalhos pode ser venenoso e contraproducente para um depressivo que já sofre dia e noite com suas autoavaliações e autocríticas intermináveis. Sem contar a disparidade das ambições humanas: um deseja a felicidade, outro se contenta em sofrer um pouco menos. Um demanda tornar-se super-herói; outro, deixar de ser o vilão de sua própria existência.
A partir de 2008 a pesquisa empírica começou a tomar consciência da dificuldade de avaliação das psicoterapias, ainda que os gestores em saúde não tenham se apercebido disto. O otimismo com as terapias breves e com as novas medicações, particularmente as antidepressivas, começou a diminuir. Descobriu-se que seus índices de eficácia eram semelhantes ao do efeito placebo. Ao mesmo tempo, os dados sobre a eficácia e eficiência da psicanálise começaram a espantar os pesquisadores. Métodos psicanalíticos, redefinidos operacionalmente como psicoterapia psicodinâmica de longo prazo, ou seja, mais de 53 sessões, têm se mostrado mais eficazes que todas as outras formas de psicoterapia conhecidas. E são tão eficazes para adultos como para crianças, incluindo aí o autismo. Seu efeito é mais duradouro e aumenta com o passar do tempo, inclusive depois do fim do tratamento, para quase todos os tipos de patologia.
Ao que tudo indica, o “princípio ativo” responsável pela eficácia nem sempre corresponde à teoria que o terapeuta adota. Uma combinação de parâmetros de sucesso das 15 formas de terapia mais conhecidas constatou por volta de 60% de eficiência – percentual considerado altíssimo quando se o compara com outros tratamentos em geral. Contudo, fatores como a abordagem psicoterápica, o tempo de formação específica, a experiência clínica, a idade e até o gênero do terapeuta, assim como grupo diagnóstico do paciente, curiosamente não são preditivos para melhores resultados clínicos. O ponto-chave da potência de cura parece ser “aquele terapeuta”, “aquele paciente” e “aquela relação”.
Tanto a expectativa de remoção de sintomas quanto o aumento na qualidade de vida mudam ao logo do tratamento. No caso da psicanálise não se ambiciona apenas resolver o que o sujeito vê como problema, naquele momento, mas alterar as regras do jogo de sua vida, incluindo sua teoria da transformação e suas práticas de avaliação. A dificuldade de avaliação também incide do lado do clínico. Pesquisas sugerem que os terapeutas têm dificuldade para reconhecer que seu paciente está piorando ou não está melhorando. Se o fator decisivo da cura é o caráter idiossincrático dos envolvidos na relação terapêutica, os dados de eficácia da psicanálise podem estar refletindo apenas o critério metodológico que define uma psicanálise: relação extensa, constante, rica e cheia de transformações. Voltamos ao ponto de partida: a qualidade se avalia qualitativamente.
Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/avaliando_as_psicoterapias.html